Consultas Específicas feitas à Diretoria de Lançamentos e Desonerações Tributárias - Completo

  Seqüência/Ano - 008/2025 
  Consulente: INSTITUTO CULTURAL CASARÃO DAS ARTES NEGRAS


Solução de Consulta nº 008/2025

EMENTA

ISSQN – LEIS DE INCENTIVO – FOMENTO À CULTURA – EMPREENDEDOR CULTURAL – ATIVIDADES EXECUTADAS EM BENEFÍCIO PRÓPRIO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A TERCEIRAS PESSOAS – INEXISTÊNCIA – FATO GERADOR DO ISSQN – INOCORRÊNCIA – NOTA FISCAL DE SERVIÇOS – EMISSÃO – IMPROPRIEDADE. Os fatos suscetíveis à incidência do ISSQN pressupõem a existência de negócio jurídico de caráter bilateral e natureza economicamente apreciável, não restando devidamente concretizada a hipótese de incidência do mencionado imposto, quando alguém põe-se a realizar quaisquer atividades em benefício próprio. Assim o magistério da mais autorizada doutrina: “Quem realiza um serviço para si próprio o faz em seu proveito pessoal. Trata-se de ‘serviço’ em acepção vulgar. Não envolve riqueza qualquer, ao menos relevante para o ISS. Ninguém paga a si mesmo pela realização de um serviço. Essa ação, pois, não se subsume [sic] à sua hipótese de incidência, porque não se compadece com a idéia de comportamento economicamente avaliável. (...) Afora o despropósito que seria a tributação pelo ISS na hipótese citada, o que é juridicamente relevante é a diretriz constitucionalizada e expressa na exigência de capacidade contributiva. Pode um comportamento revelar capacidade contributiva para um determinado tributo e não se expressar para outro. Exatamente o caso do serviço prestado em benefício próprio.” (Marcelo Caron Baptista)
- Daí não incidir o gravame sobre as atividades desenvolvidas, em seu próprio benefício, pelo empreendedor cultural responsável por projeto beneficiado pelos incentivos fiscais a que aludem quaisquer das legislações da Federação brasileira: (i) porque o serviço de que cuida o ISSQN é um esforço humano dirigido a terceiros, no seio de uma relação negocial de Direito Privado; (ii) porque inexiste, em tais atividades, conteúdo economicamente apreciável; (iii) porque ditas atividades não revelam a capacidade contributiva que interessa ao perfil constitucional do imposto.
- Tratando-se de situação alusiva à não-incidência do ISSQN, descabida é, portanto, a emissão da correspondente Nota Fiscal de Serviços.





CONSULTA

Assim o inteiro teor da presente consulta, verbis:

“Prezados, estou com a seguinte situação, a saber: O (...), inscrito sob o CNPJ (...), associação privada, sem fins lucrativos, obteve um recurso junto ao governo e precisa fazer a prestação de contas de como recurso foi gasto. Contudo, parte desse recurso foi executado pela própria associação, ou seja, para a execução do recurso existem terceiros que são contratados para prestar o serviço e destes há nota fiscal dando suporte, mas uma parte do recurso recebido ficará para a própria associação, uma vez que ela executou parte do evento por meio de seus funcionários e/ou membros da diretoria. O documento em anexo [Solução de Consulta nº 002/2005] evidencia o parecer da prefeitura sobre um caso semelhante em outra associação. Sendo colocado que como a associação produz, monta e apresenta o espetáculo, realizado com os recursos obtidos a título de incentivo cultural. Não há prestação de serviços a terceiros no caso. Conforme elucidado no documento anexo, de acordo com o Dec. 4.032/81, a obrigação de possuir e emitir notas fiscais de serviços é dos contribuintes deste imposto. Se não há prestação de serviços para terceiros, inocorre o fato gerador tributário. Inexistindo o fato gerador do imposto, não se há de falar em ISSQN e muito menos de obrigação de emitir notas fiscais de serviços. Os dizeres presentes nesse documento ainda possuem validade? Se sim, como faço para requerer documento similar que comprove a não obrigatoriedade de emissão de notas fiscais e com isso não incidência de ISSQN nessas situações?”

 
  RESPOSTA

Preliminarmente, em fiel cumprimento ao disposto no art. 5º, I e II, do Decreto Municipal nº 4.995, de 3 de junho de 1995, cumpre-nos afiançar que, nesta data, não se encontra a consulente sob ação fiscal, tampouco chegou a nosso conhecimento ter a empresa adotado quaisquer procedimentos com o escuso e deliberado propósito de evadir-se de legítima tributação pelo ISSQN.


PARECER CONCLUSIVO

Assim como na espécie da Solução de Consulta nº 002/2005, a situação ora descrita pelo consulente parece retratar também hipótese concernente à não-incidência do ISSQN, restando daí inteiramente descabida a emissão da correspondente Nota Fiscal de Serviços.
Leia-se, a propósito, o magistério de Misabel de Abreu Machado Derzi:

“A doutrina e a jurisprudência extraem da Constituição as seguintes características da hipótese de incidência do tributo [ISS]:
1. a prestação de serviços configura uma utilidade (material ou imaterial), como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa;
2. deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa executa em seu próprio benefício, como o transporte de mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma pessoa (...)”. (Grifei)

Assim também a doutrina de Aires Fernandino Barreto:

“Do exame sistemático da Constituição – convém reiterar – serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial. Ressaltamos que se trata de esforço humano a terceiros. É inafastável a existência de dois pólos: alguém que desenvolve uma atividade humana em favor de outrem, aquele que o recebe. Se assim não for, não poderemos cogitar de serviço, porque ‘esforço para si próprio’ serviço não é. Não há aí serviço tributário à míngua de relação jurídica. Destacamos, ainda, o conteúdo econômico porque a Constituição afasta (em virtude do princípio da capacidade contributiva veiculado no § 1º do art. 145 da Constituição Federal), seja em relação ao ISS, seja em relação a quaisquer outros impostos, a tributação de fatos desprovidos deste conteúdo” (Grifei)

Por fim, o mesmo entendimento é enfaticamente manifestado por Marcelo Caron Baptista, especialmente no que concerne à necessidade, para a concretização da h.i. do ISSQN, da celebração de um negócio jurídico bilateral e de natureza economicamente apreciável, apta a revelar pelo menos alguma manifestação de capacidade contributiva. Veja-se:

“Como fixado anteriormente, o critério material somente pode ser definido como um comportamento humano representado por meio de um verbo pessoal transitivo.
Isso remete o intérprete obrigatoriamente à conclusão de que somente a ação de pessoa que realiza serviço atende ao pressuposto científico adotado. O critério material do ISS identifica-se, em uma primeira aproximação, com a ação voltada à realização de um serviço.
A expressão ‘realizar serviços’, porém, pode indicar uma ação em benefício do próprio agente, v.g., realizar um serviço de pintura da sua própria residência.
Para o Direito Tributário, no entanto, a ação que perfaz o critério material de qualquer tributo há que revelar, ainda que presumivelmente, uma riqueza, da qual uma parcela será entregue ao Estado, de conformidade com a norma de incidência.
Quem realiza um serviço para si próprio o faz em seu proveito pessoal. Trata-se de “serviço” em acepção vulgar. Não envolve riqueza qualquer, ao menos relevante para o ISS. Ninguém paga a si mesmo pela realização de um serviço. Essa ação, pois, não se subsume à sua hipótese de incidência porque não se compadece com a idéia de comportamento economicamente avaliável.
Não se nega, por outro lado, que um serviço realizado pelo ser humano em seu próprio benefício possa revelar riqueza passível de tributação. Adotando-se o mesmo exemplo acima citado, o de uma pessoa pintar a própria residência, admite-se que o imóvel se possa valorizar, permitindo a incidência ou o aumento da base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, se estiver situado no perímetro urbano do Município. Poderia, ainda, em tese – caso nesse sentido estivesse disposto na legislação vigente – em face do aumento patrimonial verificado, incidir sobre essa parcela, ou ao menos sobre parte dela, o Imposto sobre a renda da Pessoa Física – IRPF. Isso, no entanto, foge completamente do alcance da norma tributária do ISS. Afora o despropósito que seria a tributação pelo ISS na hipótese citada, o que é juridicamente relevante é a diretriz constitucionalizada e expressa na exigência de capacidade contributiva. Pode um comportamento revelar capacidade contributiva para um determinado tributo e não se expressar para outro. Exatamente o caso do serviço prestado em benefício próprio.
Chega-se então à primeira conclusão: o ISS somente pode incidir se houver realização de serviço para terceiro. Exige-se uma relação envolvendo, pelo menos, duas pessoas: o realizador e o tomador do serviço. (Grifei)

Como se vê nos excertos doutrinários acabados de transcrever, os fatos suscetíveis à incidência do ISSQN pressupõem a existência de um negócio jurídico de caráter bilateral e natureza economicamente apreciável, não restando devidamente concretizada a hipótese de incidência do mencionado imposto, quando alguém põe-se a realizar quaisquer atividades em seu próprio benefício.

Daí não incidir o gravame sobre as atividades desenvolvidas, em proveito de si mesmo, pelo empreendedor cultural responsável por projeto beneficiado pelos incentivos fiscais a que aludem as legislações de regência específicas:

i) porque o serviço de que cuida o ISSQN é um esforço humano dirigido a terceiros, no seio de uma relação negocial de Direito privado;

ii) porque inexiste, em tais atividades, conteúdo economicamente apreciável;

iii) porque ditas atividades não revelam a capacidade contributiva que interessa ao perfil constitucional do imposto.

Ante todo o exposto, caso a situação genericamente descrita na presente consulta diga respeito às consequências fiscais das diversas leis de incentivo ou fomento à cultura vigorantes na República brasileira, versará então sobre hipótese de não-incidência do ISSQN (atividades realizadas em próprio benefício do consulente), e indevida será, portanto, a emissão de quaisquer Notas Fiscais de Serviços.

Se assim for, a prestação de contas aos diversos órgãos governamentais deverá realizar-se através da emissão de simples recibos, cuja idoneidade haverá de ser oportunamente verificada, se for o caso, através do pormenorizado exame da escrita contábil do instituto consulente, cujos livros devem estar revestidos de todas as formalidades intrínsecas e extrínsecas determinadas em lei.

 
ATENÇÃO:

O conteúdo das respostas a consultas apresentado nesta Seção reflete a interpretação dada pelo Órgão Fazendário à legislação tributária vigente na data em que o consulente foi intimadado da resposta. Alterações posteriores da legislação tributária podem fazer com que o entendimento apresentado numa resposta dada em determinada ocasião não mais se aplique a situações presentes. Exemplo disso, são as consultas que discorrem sobre o uso do Manifesto de Serviços que hoje não fariam mais sentido visto que o referido documento foi extinto em 19/01/99 com o advento do Decreto 9.831/99. Quem acessar esta página deve procurar sempre o entendimento apresentado nas respostas a consultas mais recentes. Ainda assim esclarecemos que o entendimento apresentado numa resposta somente produz seus efeitos legais em relação ao consulente, não alcançando a generalidade dos contribuintes. Aqueles que quiserem  respostas que lhes gerem direitos deverão formular por escrito consulta sobre a interpretação e a aplicação da legislação tributária municipal, em relação a fato concreto de seu interesse, dirigida à Diretoria de Lançamentos e Desonerações Tributárias - DLDT, situada à Rua Espírito Santo, 605 - 2° andar.. Salientamos que, nos termos do art. 7º do Decreto 4.995/85, uma consulta será declarada ineficaz, se: for meramente protelatória, assim entendida a que verse sobre disposição claramente expressa na legislação tributária ou sobre questão de direito já resolvida por ato normativo ou por decisão administrativa ou judicial; não descrever, exata e completamente, o fato que lhe deu origem; formulada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com o seu objeto, ou após vencido o prazo legal para cumprimento da obrigação a que se referir.